Senhor Paciência
O apelido já dizia tudo: senhor Paciência. Homem calmo e de grande responsabilidade, foi promovido a chefe na Estação Mantiqueira. Um dia, diga-se de passagem, dia “daqueles”, pois o frio era cortante fazendo doer até os ossos, senhor Paciência chega para trabalhar. E qual não foi sua surpresa ao deparar com um andarilho em um dos bancos da estação: senhor Paciência chegou de mansinho e tocou o braço do homem, chamando-o. Ele não se moveu. Novamente, senhor Paciência balança bem devagar, na esperança de acordá-lo e nada. O andarilho continuava inerte e nada nele se movia.
Assustado, senhor Paciência sai de mansinho, pé ante pé, vai direto para o seletivo e manda a seguinte mensagem: “Por favor, mande socorro urgente para a Estação Mantiqueira, pois, aqui, se encontra um andarilho deitado em um dos bancos com sintomas de morto”.
Causo enviado pelo ferroviário José Gerçossimo Filho – Carandaí (MG).
O trem e o bolo
Por volta de 1957, em Bananal, cidade vizinha de Barra Mansa, dependíamos muito de Barra Mansa para comprar o que não achávamos em Bananal. Como não havia ônibus, íamos de trem. Meu irmão Auro ia casar em 1957 e a tia da minha cunhada ia fazer o bolo. Ela morava em Barra Mansa. Para trazer o bolo, a única maneira era ser levado de Maria Fumaça. O bolo era grande, tinha três andares, e foi colocado em um vagão. O irmão da noiva ia buscá-lo com uns amigos. O mais engraçado é que o irmão da noiva pagou uma passagem para ele e outra separada para o bolo. Durante a viagem, o medo do bolo cair ou trincar era apavorante. Ele pediu ao maquinista que fosse um pouco devagar. A estrada era cheia de curvas e os amigos dele riam a viagem inteira, imaginando o bolo virar. Ao chegarem na estação, todos aplaudiram o maquinista. O bolo ficou lindo na mesa. A festa de casamento foi linda!
Causo enviado por Zélia Guimarães Eklund – esposa de ferroviário. Cachoeira Paulista (SP)
O engenheiro carregador
Este fato que vou narrar aconteceu na cidade de Itaúna (MG), nos bons tempos da saudosa Rede Mineira de Viação. Existia, na cidade, um engenheiro que era chefe da residência que cuidava da via permanente. Ele morava perto da estação e quando estava de folga, lá estava ele na plataforma da estação para ver os trens que chegavam e saiam. Certo dia, estava ele lá, quando chegou o noturno, que ia de BH para Uberaba. Desembarcou um cidadão com duas malas pesadas. Olhou para um lado, olhou para o outro e viu o engenheiro parado. Então chamou: “o carregador leva as malas para mim?” Era natural, naquela época, ficarem os carregadores nas estações para prestar serviços. Sem pensar duas vezes, ele pegou as malas e levou para o hotel. Quando ele passou, o agente da estação e o guarda-chaves ficaram assustados, mas não falaram nada que ele era engenheiro. Passaram uns instantes e estava o engenheiro de volta, que disse: “ganhei um dinheirinho”. Este engenheiro era um homem muito honrado, respeitado e humilde. Seus subordinados tinham prazer de trabalhar com ele.
Causo enviado por Sebastião Flavino de Paula – Divinópolis (MG).
Janela do espetáculo
Nos idos da década de 1950, onde havia o trem diretão, que percorria o trecho de Porto Alegre a São Paulo, cuja tração era a vapor, o trem fazia paradas em algumas cidades, a fim de abastecer e trocar a equipe. Na parada de Porto União da Vitória, aconteceu o seguinte: na estação, alguns garotos que ficavam observando os carros, ao passarem pelo carro dormitório, viram, no interior da cabine, uma bela garota deitada somente com a lingerie inferior (estava muito quente), que, logo após o almoço, adormecera. O menino que viu ficou extasiado e chamou os demais para verem juntos aquela “janela do espetáculo”. A euforia foi grande e um deles, sem querer, bateu na vidraça. A jovem, rapidamente, puxou a cortina. Ano após ano, os garotos procuravam o repeteco em outro trem, mas nunca mais houve oportunidade igual.
Causo enviado por José Francisco Pavelec – Ponta Grossa (PR)
O porquinho passageiro
No escritório sede da ex-estrada de Ferro Leopoldina Barão de Mauá havia um trabalhador que servia como vigia, de nome Francisco Anízio (semianalfabeto). Sua terra natal era Cambuci, interior do estado do Rio de Janeiro. Pois bem, o mesmo entrou em férias e solicitou passe (que era de direito) ida e volta a fim de aproveitar as férias e visitar os parentes na sua terra. Terminando o período das férias, no seu regresso para a cidade do Rio de Janeiro, Anízio já havia comprado um porquinho novo. Mandou, então, fazer um engradado que coubesse o animal, comprou uma passagem na 2ª classe e embarcou trazendo o porquinho ao seu lado como se fosse um passageiro, muito bem embalado, para ninguém desconfiar. Mas, por falta de sorte, em Campos entrou um fiscal que, ao conferir o trem, estranhou aquele embrulho e descobriu que se tratava de um porquinho.
Aí começou a encrenca: o fiscal prendeu o embrulho e disse a Chico Anísio que o porco não podia ir daquela maneira e teria que ser despachado e levado para o carro de bagageiro, e, ainda, teria que pagar uma multa. Chico virou “o bicho” e muito irritado disse que o porco tinha que ir junto, exibindo a passagem que pagou para o animal. A coisa ficou preta: vai-não-vai, fica-não-fica; houve até ameaça de agressão: eu quero ver quem tira o porco daqui! A sorte é que o trem já estava chegando ao seu destino em Barão de Mauá e, por coincidência, o Chefe da Estação de Zeladoria, Sebastião Valente, estava na estação e acalmou os ânimos, mandando fazer o despacho do porquinho, além de dispensar a multa que o fiscal insistia em cobrar pelo abuso de um porco como passageiro.
Causo enviado por Sebastião Valente de Andrade – Rio de Janeiro (RJ)
A mão pelada
Quando meu pai trabalhava em Mário Belo (entre Japeri e Engenheiro Gurgel), indo trabalhar de trem, já tinha passado em Palmeira da Serra, quando meu pai teve uma grande dor de barriga e pediu ao maquinista para parar. O trem seguiu seu caminho. Estava ele tranquilo, no meio das bananeiras, quando ouviu um barulho diferente. Foi quando, de repente, ele avistou uma enorme mão pelada, que é parente distante da onça, um animal muito feroz. Meu pai conta que não deu tempo para vestir as calças. A sorte é que perto tinha uma árvore. Foi o que o salvou. Ele subiu pelado e a mão pelada, embaixo da árvore, esperava-o descer. Três horas se passaram. Foi quando a mão pelada desistiu. Ele desceu, se vestiu, fez uma fogueira para esquentar a marmita e foi embora esperar o trem para casa.
Causo enviado por Neuza Meirelles, filha do ferroviário José Adriano Meirelles - Barra do Piraí (RJ)O caixeiro-viajante e o parlamentar
Esse fato aconteceu em União dos Palmares (Alagoas), terra de Zumbi dos Palmares, Jorge de Lima e da Serra Barriga. União é famosa também por sua feira livre, lugar comum no Nordeste. Só que em União a feira é em quatro dias da semana e ocupa vários quarteirões, vende de tudo e tudo acontece. Era época de eleição e vários candidatos aproveitavam a oportunidade para fazer sua campanha. Entre eles havia um que se destacava, estava buscando seu segundo mandato como deputado federal, era uma figura imponente no sertão e agreste alagoano. Seu nome: doutor Alberico, bigodudo, sempre falando alto, e dando ênfase a letra r, tipo cerrrrto, corrreto. O doutor parou em frente a estação ferroviária de União e começou a discursar. O povo foi se chegando e o deputado, empolgado, prometia o mundo e o fundo: eu faço e aconteço.
Quando ele acabou, seu Alcidézio, feirante, figura popular em União, dirigiu-se até a ele e travou o seguinte dialogo: “Deputado, deputado, pois não, deputado, o trem é o melhor meio de transporte que a gente tem. É uma viagem boa até Maceió. É mais barata. E aí, deputado, a estação está fechada, o trem parou de circular e ninguém faz nada”. O deputado ficou sem ação, não esperava. No interior do Nordeste eles costumam oferecer dinheiro para fazer a feira, não é comum ser cobrado em público. Doutor Alberico chamou um vassalo e disse: “anote aí, eu prometo que trago de volta a circulação do trem, de União até Maceió”.
Seu Alcidezio ouviu e se retirou desconfiado e ficou aguardando o tão esperado retorno da linha. Doutor alberico foi eleito, passou o primeiro o segundo, o terceiro ano e aí terminou o mandato, e nada do trem voltar. E o deputado, novamente, tenta a reeleição, e volta a União para pedir votos. Seu horrara, outro feirante, chamou seu Alcidézio e disse: “Cidézio, o doutor Alberico tá lá na estação”. Seu Alcidézio pegou uma mala velha, surrupiada, cheia de buginganga, se dirigiu até o deputado e lhe disse: “Deputado, até hoje estou esperando o trem que o senhor prometeu, o guarda-mala até morreu e deixou essa mala velha comigo”. O deputado não esperava tamanha descompostura, disse-lhe: “A culpa não é minha, a culpa é do Ferrrrrnando Henrrrique”. O deputado foi embora sem graça, o trem não voltou a circular e para o bem de todos ele não foi reeleito.
Causo enviado por José Alexandrino de Araújo Junior – Rio de Janeiro (RJ)
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