sábado, 22 de agosto de 2015

O trem de subúrbio da RVPSC!



"Para se conhecer o futuro,
é bastante volver ao passado
e confrontá-lo com o presente,
pois, no dia de amanhã, é que amadurece 
o fruto plantado hoje."
(Waldemar Werner)

Artigo idêntico ao escrito na Revista Correio dos Ferroviários da RVPSC, edição nº 415 de junho 1968.

Estação Ferroviária de Curitiba, final de década de 1950!

Quatro horas da madrugada. É bom que o Pedro das neves já tenha acordado, senão êle nem vai ter tempo de tomar café e de se arrumar. Mas já pulou da cama, felizmente, está prontinho e lá se vai, marmita em baixo do braço, para a Estação de Rio Branco do Sul, onde dentro de trinta minutos vai sair o trem do dia.
- Passagens, passagens. – O chefe do trem, o Ferreira, acordou mais cêdo ainda e vai recolhendo os bilhetes dos operários, que está na hora do expresso partir para a sua viagem diária. Para os acostumados a ir para o trabalho no automóvel oficial, que pára às nove em frente da casa, no Volks ou, no pior dos casos, de ônibus, ou de bicicleta, decerto imaginam que seja uma Maria Fumaça caindo aos pedaços, puxando uns vagões construídos no tempo de Dom Pedro II.
Maria Fumaça coisa nenhuma. É uma locomotiva Diesel muito boa, igualzinha à que vai para São Paulo.
E, lá vai o trem. Em Rio Branco do Sul, junto com o Pedro das neves, devem ter embarcado mais uns quarenta trabalhadores,  o que não chegou para lotar um vagão, cuja capacidade é de 44, sentados. Daqui a pouco os três vão estar lotadinhos e vai ter mais gente em pé do que sentada. O Pedro pagou 34 centavos de passagem. O Antônio, que está apanhando o expresso aqui em Itaperussu, vai pagar 28.
Se o diálogo continuasse progressivamente, o Antônio diria ao João, de Tranqueira, que o abençoado pela sorte é êle: 22 centavos. 5 e 15 da madrugada. O João retrucaria ao Chico, de Almirante Tamandaré, usando os mesmos argumentos, com outros números: 16 centavos. 5 e meia. E o Chico teria os dois últimos dados para apresentar ao José, o cachoeirense: 13 centavos. 5 e 45. Dentro desta lógica, o Chico teria que concordar. É, o sortudo sou eu mesmo.
E lá vai o trem. São seis e vinte e,  agora é que está nascendo o Sol. Nasce o sol, o trem chega à Estação Ferroviária de Curitiba. Descem, no mínimo, 240 passageiros. Apanham as trouxas a as marmitas e, passos apressados, vão trabalhar. Estão andando depressa, para não chegar tarde; o patrão desconta de quem não assina o ponto na horinha certa. A construção fica longe, pegar ônibus custa caro, então pernas para que te quero.

Capa da Revista ferroviária de 1967.

Às cinco e quinze, saíram outros dois trens. Um de Roça Nova, parando em Piraquara e Pinhais, outro de Passaúna. Primeira escala em Araucária. O trem fica parado bem uns quinze minutos, entra gente prá burro. Também, a passagem ainda está na base de 13 centavos e a de ônibus sai o dôbro. De Araucária, cheio até a alma, o trem faz a segunda e a principal escala, na Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.
- Passagens, passagens. Olha a fila. Vamos depressa, estamos atrasados. A sua passagem, por favor. Não tem mais lugar. Tem que ir de pé, o que se vai fazer. Passagens, passagens. Não tem mais ninguém. Ah, aquêle que vem correndo? Depressa, môço, não podemos esperar. Sua passagem. Obrigado. Vamos embora.
E lá vai o trem. Só que em velocidade mais reduzida, em virtude do excesso de passageiros. Coisa de rotina, todo dia é assim. Alguns em Passaúna, muitos em Araucária e uma incalculável multidão na Vila. Três anos atrás, o suburbano nem parava lá, porque a Vila não existia. Agora é a principal escala. Os operários e ex-favelados preferem o trem, pois a passagem sai 13 centavos. A do ônibus custa 20. Treze vêzes 25 cinco dias de trabalho, igual a 3 cruzeiros novos e 25 centavos. Vinte vêzes 25, igual a 5 cruzeiros novos. Uma economia de um cruzeiro novo e setenta e cinco centavos, no fim do mês.
E lá vai o trem. Chegou ao Portão.
Ao todo, são quase mil operários que andam nesses trens suburbanos, que os passageiros de ônibus nem sabem que existem. Acordam cedo, para não perder o trem e saem do trabalho às pressas, pois às 18H 10min deve estar na Estação, para a longa viagem de volta.
E lá vai o trem, com  Pedro das Neves, o Antônio, o João, o Chico. Lá vai o trem, sacolejando nos trilhos da Ponte Preta, por cima da João Negrão, onde trafegam os carros, os ônibus, as bicicletas.

Artigo extraído da página nº 09 da Revista dos Ferroviários da RVPSC, edição de junho, 1968!