sábado, 4 de junho de 2011

"Causos" - Estórias do Trem.

Um ou Outro

Em um dos hortos florestais da Estrada de Ferro 
havia, entre outros animais de tração, um burro que prestava 
valiosos serviços. 
Embora já meio idoso, o animal era rijo, forte, mas 
dócil. Nunca empacara, podia-se contar sempre com ele. 
Certo dia, porém, o burro não se levantou. Estava doente. 
O processo foi rápido. No dia seguinte, o animal 
faleceu. 
Como seu concurso era essencial para as atividades 
do Horto, o Encarregado que respondia pelos serviços (o 
Horto estava temporariamente sem Engenheiro para chefiá-
lo) passou o seguinte telegrama para o seu Departamento, 
na sede da Estrada: 
“Um burro ficou doente e morreu. Pergunto se devo 
comprar outro ou esperar a chegada do Engenheiro novo”. 


Despacho Faminto 

Esta aconteceu na época em que eram comuns os 
despachos de animais e pequenos volumes de uma para 
outra estação no interior. 
Alguém havia despachado um bode, o qual, por 
inadvertência ou descaso do Auxiliar de Estação, ficou mal 
amarrado dentro do vagão, destinado à bagagem. 
Em meio à viagem, o bode conseguiu soltar-se e 
andou tranqüilo pelo vagão. 
Entre as encomendas que lhe faziam companhia, 
estava um balaio de verduras. 
Ao sentir o cheiro do alimento, o bode não fez 
cerimônia. Tanto fuçou o balaio que este caiu, rolou pelo 
vagão e se abriu, deixando couves e alfaces à disposição do 
seu apetite. 
Chegando o trem à estação à qual se destinavam 
ambas as encomendas, o bode e o balaio de verduras, 
o Agente da Estação constatou, surpreso, a ocorrência. 
Apenas pequenos pedaços de couves e alfaces restavam no 
balaio vazio. 
O Agente, então, não vacilou. Manipulando o 
telégrafo, comunicou à sua chefia: 
“Informo-vos que, ao descarregar a bagagem 
do trem prefixo..., às... horas de hoje, constatei que a 
encomenda n°... comeu a encomenda n°...”. 


Deu Bode

As pequeninas estações do interior possuíam, frequentemente, o seu bode de estimação. Era comum, ao se 
passar por elas, ver-se o animal pastando, tranquilo e pensativo, a vegetação rasteira e teimosa que brotava entre trilhos 
e dormentes ou o capim mais viçoso, à margem da linha. 
O bode era aceito como parte integrante daquele 
mundo. De um modo geral, não incomodava e nem era 
incomodado. 
Pelo menos uma vez, porém, um desses bodes fez 
das suas, perturbando o mundo pachorrento da estação que 
constituía seu domínio. 
08 de junho de 1981. Em correspondência formal 
dirigida à chefia, o responsável por um escritório da 
Via Permanente narrou as estripulias do bode e suas 
consequências. 
Eis a transcrição textual da indigitada ocorrência: 
“Esclarecemos que o mau estado dos formulários 
CM.5 números 076 e 077 se deve à entrada de um 
bode, na agência de Santo Amaro. Quando o Agente 
da Estação se encontrava atendendo à passagem de 
um trem, o referido animal iniciou a pastagem dos 
documentos. Quando foi surpreendido, já causara o 
estrago que se vê. Cordiais saudações.” 
Não há elementos para se esclarecer as razões da 
conduta do bode. Entretanto, alguns ferroviários que 
conhecem a estória, verídica, atribuem ao bode intenções 
desburocratizantes... 

Por: Victor José Ferreira do Livro: ESTÓRIAS DO TREM - Uma viagem no folclore ferroviário.
http://www.trembrasil.org.br

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