Foto: Fernando Cunha http://www.flickr.com/photos/nando_cunha
Todos os dias chegam ao Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, no Maranhão, 160 mil toneladas de minério de ferro vindas da Mina de Carajás (PA). É a maior produção do mundo, carregada pelo maior trem de minério do planeta, que chega ao porto mais profundo da terra e depois é transportada pelo maior navio graneleiro do universo. Por trás dessa série de superlativos há a história de gente simples, anônima, que contribuiu para que a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) atingisse no ano passado o recorde de lucratividade: R$ 2,13 bilhões. Entre as peças de uma bem-sucedida cadeia de produção está a maranhense Ana Teresa Silva, a primeira mulher do País, talvez do mundo, a operar um trem de 206 vagões com uma carga de 23 mil toneladas de minério de ferro. Quando o comboio chega à estação, é ela quem sobe na locomotiva e faz a manobra com a geringonça de dois quilômetros de extensão. Embora a operação seja protegida por sistemas de segurança, o risco é não está afastado. Trata-se de uma máquina movida a eletricidade e óleo diesel, com 600 watts de potência, que usa 19 mil litros de combustível. Um pequeno descuido pode desencadear em segundos um incêndio capaz de derreter até a caixa-preta. “O trem não te machuca. Ele mata”, explica a maquinista.
Homem morto – Uma vez iniciada a operação, a cada 45 segundos Teresa tem de acionar o dispositivo “homem morto”, uma chave que leva à estação de controle o sinal de que o operador está vivo. Se esquecer a função, a máquina pára por medida de segurança. Por enquanto, suas atividades estão restritas aos pátios de manobras da Estrada de Ferro Carajás. Mas em dois meses ela inicia as viagens com o trem. A primeira missão será com o trem de passageiros da Companhia que faz a linha São Luís/Paraupebas (MA). Ao longo dos 861 quilômetros de extensão, percorridos em 16 horas, há três trocas de maquinistas. Os colegas de Teresa, todos homens, estão apreensivos. “É um serviço muito pesado para mulher. Eu não me acostumo com isso. É serviço de durão”, estranha João Batista Pereira, maquinista há 22 anos. “Em situações normais tudo bem, mas acontecem muitos imprevistos e a gente viaja sozinho no meio do mato”, explica. Numa situação dessas, cabe ao maquinista descer do trem, percorrer a pé todos os vagões e tentar sanar o problema. “Eu não vou me arriscar nem a companhia iria me colocar nessa função se eu não tivesse capacidade”, aposta Teresa.
Aos 34 anos e com 15 de CVRD, ela já percorreu todos os setores de oficina de trens antes de se tornar maquinista em junho do ano passado. Para isso, teve de abrir mão da convivência diária com suas duas filhas. A única vaga para maquinista que apareceu foi em Açailândia, a 513 quilômetros da capital São Luís. Sem pensar duas vezes, mandou as meninas para a casa da mãe e foi para o interior assumir o posto. Marido, ela já não tem há muito tempo. “No começo eles acham legal, mas depois começam a reclamar dos horários, do trabalho com outros homens.” Desde seu primeiro estágio na CVRD, Teresa teve de mostrar determinação. Não faltou quem quisesse transferi-la para funções administrativas. Foi assim quando passou na prova do estágio em mecânica. O chefe logo sugeriu uma função no escritório. Ela respondeu que não tinha feito prova para auxiliar de escritório e que, se não a quisesse, teria de cancelar o estágio e assumir o preconceito.
Vaidade – Em sua batalha num universo masculino ela precisou se esforçar mais do que os outros para competir de igual para igual. “Eu me matava de estudar em todos os cursos que fazia. Se a média da turma era 7, eu não aceitava tirar menos que 9,5.” Quinze anos depois, tirou uma lição: “A mulher não pode querer se comparar ao homem em termos de força. Tem de se impor como mulher.” E no seu jeito de se impor não falta o ritual de vaidade. A maquinista que carrega 23 toneladas de minério e passa o dia num calorento pátio de manobras não sai de casa sem passar batom, delinear os olhos e se banhar de perfume.
Por: Isabela Abdala http://www.istoe.com.br
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