EM HOMENAGEM AO ANIVERSÁRIO DA V.F.R.G.S. SEGUE EM ANEXO UMA FOTO EM TAMANHO GRANDE, QUE PERMITE QUE TODA REPORTAGEM SEJA LIDA. E TAMBÉM SEGUE UM TEXTO NARRATIVO TRADUZIDO DO ALEMÃO PELO AMIGO LEONARDO HANRIOT BLOOMFIELD. ÓTIMA LEITURA A TODOS!!!
A FOTO FOI SCANEADA POR RICARDO FRONTERA DE BAURU-SP.
O
TREM INTERNACIONAL
Por
Carl Heinz Hahmann
A região Sul aqui descrita compreende os
Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Pode ser considerada
região do Brasil de clima temperado. É produtora de frutas, laticínios, madeira
e carvão. Muitas planícies destinam-se a criação de gado. As vias férreas serão
discutidas em maiores detalhes mais adiante neste volume. Basta dizer que elas, trecho por trecho, estavam sob o
controle da Companhia de Estrada de Ferro Farquhar do Brasil a qual construiu
as conexões necessárias que possibilitou uma linha direta desde a Cidade de São
Paulo até a fronteira Sul do Brasil. Trata-se de um rota onde o único trem
internacional brasileiro nunca sai do Brasil.
O autor
fez por duas vezes esta viagem até a fronteira do Uruguai, partindo de São
Paulo. A primeira em 1949 e de novo, agora com sua mulher, em 1955. Nesta
última viagem, a maior parte da composição destinava-se a Porto Alegre e
somente um carro dormitório seguia para a fronteira. A velocidade não era nada
espetacular. A mais rápida foi no primeiro trecho da viagem nas linhas da E.F.Sorocabana.
Nos trechos seguintes havia um grande número de paradas de cerca de meia hora cada,
quando as locomotivas eram vistoriadas e os tenders abastecidos com lenha. Existe uma única
composição em serviço fazendo a viagem de ida e volta.
Este
trem de bitola métrica é constituído do seguinte:
1 – Um carro bagagem-correio-dormitório
da equipagem.
2 – Um carro-Pullman com 28 poltronas
de vime (1)
3 – Um carro-restaurante com capacidade
para 32 passageiros
4 – Um carro-dormitório com sete
cabines duplas
5 – Um carro-dormitório com sete
cabines duplas
6
– Um carro-dormitório com sete cabines duplas
Trata-se
de um trem colorido e mantido bem limpo. Os carros bagagem, Pullman e restaurante foram
fornecidos pela E.F.Sorocabana (2). Eram pintados de vermelho escuro e em volta das janelas
de amarelo. Estes carros foram construídos pela Linke-Hofmann, no ano de 1927,
na Alemanha. Os três carros-dormitórios foram fornecidos pela VFRGS. Eram
carros de aço pintados na tradicional cor verde escuro.(3)
Seus únicos concorrentes eram as diversas companhias de navegação
que aportavam em Santos nas suas rotas para Montevidéu e Buenos Aires. O
problema com esta rota era o mar
encrespado do Atlântico Sul. Aqueles sujeitos a enjôos viajavam de trem.
Este texto descreve a
viagem do Sr. Hahmann no ano de 1955. “Começamos a viagem embarcando no trem na
estação da Sorocabana, em São Paulo,
tracionado por uma locomotiva elétrica da GE. Logo após a sua partida, o
camareiro bateu na porta de nossa cabine e nos apresentou uma lista dos
passageiros. Em Iperó, final do trecho eletrificado, a locomotiva foi trocada
por uma Krupp 4-6-2, n° 327. Agora podia-se ouvir seu ruído característico e
seus apitos, os quais continuariam conosco durante os três dias de viagem.
Houve nova troca de locomotiva em Itapetininga, sendo uma Baldwin
2-8-2 que nos levaria até o final da linha da Sorocabana.
A viagem com a enorme locomotiva elétrica foi suave e rápida.
Neste percurso o almoço foi servido. Uma vez com as locomotivas a vapor, a
linha não era tão boa, porém, tínhamos os belos apitos da locomotiva, enquanto
atravessávamos pastos com gado daquela região sulina. Em Itararé, embora não houvesse inclusão de
novos carros e nenhum tenha sido tirado da composição, o trem foi alvo de
grandes manobras que manteve o pessoal da estação muito ocupado, e estes
evitando também que os passageiros que estivessem acordados tivessem a audácia
de um passeio noturno no pátio.
Partimos tracionado por outra Baldwin 2-8-2. Embora o trem pesasse
somente 180 toneladas, a locomotiva, queimando lenha, fazia esforço para puxar
o trem em um terreno bem acidentado do Paraná.
Por volta da meia-noite, notei que o trem parou. Sua partida
tornou-se impossível porque a locomotiva não tinha força suficiente e deslizava
nos trilhos. A razão era que a areia no areeiro estava molhada, obrigando o
foguista a sentar-se no limpa-trilhos afim de jogá-la nos trilhos, mas mesmo
assim não funcionou. Finalmente, ele passou a andar na frente do trem para
fazer esta tarefa de colocar areia sobre os trilhos. A locomotiva conseguiu
andar mais uns 15 metros
e tornou a parar deslizando de novo. Era um trabalho duro para essa hora da
madrugada, mas o trabalho teve de se repetir por diversas vezes. Uma vez que
conseguimos subir a rampa daquele trecho íngreme, pudemos desc 40 k m.p.h outro.er
do lado já com uma velocidade de
Cerca das 6:00 horas da manhã já podíamos divisar a cidade de
Ponta Grossa a certa distância no topo do terreno ondulado. A linha sinuosa se
desenvolvia com sucessivas curvas, reduzindo agora a velocidade para cerca de
30 km.p.h, até que chegamos na estação às 7:00 horas. Quando lá paramos, fui
até a locomotiva de n° 628, uma Baldwin 2-8-2, construída em 1925. O maquinista
já estava trabalhando durante nove horas seguidas, mesmo assim muito alegre,
conversou comigo a respeito da viagem. O foguista, que teve de jogar dois
tenders de lenha de pinho na fornalha., estava realmente exausto. As
locomotivas foram de novo trocadas.
A que a substituiu foi a de n° 620, outra Baldwin 2-8-2, bem suja, assim como a sua tripulação.
Partimos às 7:30 hs. Levamos mais de meia hora para que a cidade
desaparecesse de nossa vista. Viajando mesmo em trens mais rápidos no Paraná,
esta cidade permanece visível por muito tempo
Logo após a saída de Ponta Grossa, o carro-restaurante foi aberto
para o café da manhã. Embora minha mulher, como eu mesmo, somos de origem alemã
e falamos este idioma, ela fala o português com um sotaque bem sulista. Os
brasileiros chamam-no de sotaque gaúcho. O garçom notou logo este sotaque dela.
Conversando, ela descobriu que sua casa ficava a pouca distância da dele. Os
gaúchos podem se equiparar aos texanos. Embora eu tenha comido um café da manhã
padrão, ou seja, café, pão, geléia, minha mulher, além disso, pediu um
churrasco de carne bovina e de porco que foi feito no fogão a carvão na cozinha
do carro-restaurante. Entretanto, não somente eu com os demais passageiros
estávamos satisfeito com o que nos foi servido. As refeições na viagem, desde
que se goste de grande quantidade de carnes, foi excelente. A cerveja estava
sempre bem gelada. As toalhas muito limpas e o serviço bom.
Durante esta manhã o trem atravessou plantações de pinheiros do
Paraná. Este pinheiro, “araucária brasilienses”, têm um longo tronco com os
galhos no topo. Esta espécie só é encontrada no Sul do Brasil. Com uma
velocidade de 33 km.p.h. nossa 2-8-2 não encontrava dificuldade para vencer o
terreno acidentado no Sul do Paraná. Por volta de meio-dia chegamos na junção
de Engº Gutierrez, onde, por um desvio, uma linha saía e se adentrava na floresta. Agora o tender já estava bem vazio.
A locomotiva desengatou da composição e foi se abastecer de lenha ajudada por mais
dois empregados da ferrovia.
Nós passamos toda a tarde no carro-Pullman onde estavam também
alguns passageiros de nacionalidade argentina. Uma senhora tentava a todo custo
convencer minha mulher das virtudes de Evita Perón. Atravessando o Rio Iguaçu,
chegamos em Porto União da Vitória onde ocorreu nova troca de locomotiva. Cruzando
o estado do Paraná, devido a rampas, curvas de pequeno raio, e paradas para
pegar lenha, nossa média comercial não passou dos 25 km.p.h. o que não é nada
rápido para um trem de categoria
internacional. Hoje se pode viajar desde Itararé até Ponta Grossa numa moderna
rodovia cortando morros, os quais o trem tem de transpor ou contornar, em menos
do que três horas.
Partimos de Porto União da Vitória também com uma Baldwin
2-8-2. Esta estava bem limpa. O
maquinista era um verdadeiro artista ao acionar o apito da locomotiva a todo o momento.
De imediato estávamos subindo a Serra Geral numa linha que tinha sido
completamente reconstruída. Antes de meia noite chegamos ao ponto culminante da
linha, que está 430 metros mais alta do
que Porto União, em Caçador (4). Então, após este ponto, o trem começa a
descer margeando o Rio do Peixe.
À direita, o rio do Peixe. À esquerda, o rio Uruguai. Do outro lado do Uruguai, Marcelino Ramos, cidade ainda tão pequena que não aparece nesta foto. Nesta foz do primeiro no segundo, a linha da E. F. São Paulo-Rio Grande já estava pronta em meados de 1910, aguardando a ponte sobre o Uruguai, que seria construída em madeira de forma provisória e inaugurada em dezembro do mesmo ano, ligando São Paulo e Rio de Janeiro a Porto Alegre e ao Uruguai por ferrovia.
Na manhã seguinte, estávamos andando pelo corredor às 6:00 hs da
manha. O trem seguia sempre pela margem esquerda do Rio do Peixe em um profundo vale. Alguns
minutos pouco antes das 6:00hs, chegamos ao ponto onde este rio desemboca no
Rio Uruguai. Ali cruzamos o Rio Uruguai e chegamos na estação de Marcelino
Ramos. Estamos agora no Estado do Rio Grande do Sul. Nesta estação, encontramos
uma enorme e moderna 4.8.2, construída pela Schwartzkoff esperando-nos para nos
levar através de terras gaúchas.
Eu devia ter dado à ponte especial atenção pelo que vim saber
depois. Sua história começa em 1910 e é digna de nota. A Cie. General des
Chemins de Fer estava prolongando sua linha de Porto Alegre para Santa Maria e
Passo Fundo, até Marcelino Ramos. Nesta, encontraria a que vinha sendo
construída para o Sul, no Paraná. O Governo Federal estava vivamente
interessado em ter uma ferrovia desde São Paulo ao extremo Sul do País. O seu
interesse foi que, para sufocar uma revolta poucos anos antes, suas tropas e
suprimentos tiveram de vir por via marítima. O Estado do Rio Grande,
entretanto, tem uma única baía natural,
fazendo com que o movimento marítimo fosse um grande problema.
A ponte foi considerada uma necessidade política. Heinrich
Gursching, avô de minha, mulher foi o engenheiro encarregado desta extensão
ferroviária. Quando foi perguntado a ele sobre a possibilidade de uma
construção bem mais rápida de uma ponte de madeira, ele recusou de imediato.
Ele sabia que o Rio Uruguai atravessava muitas gargantas de basalto e arenito,
e na época das grandes cheias, de novembro a março, tinha algumas com mais de 7
metros de altura.
O Presidente da República, Nilo Peçanha, estava chegando ao fim de
seu mandato e queria viajar no primeiro trem nesta nova ligação de São Paulo a Porto Alegre. Quando Gursching
negou-se a construir a ponte, o engenheiro de trecho catarinense foi
pressionado a fazer o trabalho. Poucos dias antes de deixar o cargo, o
Presidente fez a viagem. Três meses depois, esta tinha sido levada pela
correnteza numa das cheias do rio.
Então, uma nova ponte, mais apropriada, foi construída e é a que existe
até hoje.
A locomotiva 816 da VFRGS, uma Schwartzkopf 4-8-2, "posa" em Balisa. Bons tempos. Hoje, nem a estação existe mais, nem desvios, nem nada (Foto Paulo Modé, 1955).
A gigante 4-8-2 com seus cilindros de 19’’ X 22’’ se esforçava nas
rampas existentes pouco além de Marcelino Ramos. A subida até o ponto mais alto
da linha era de 270 metros. Existiam vários viadutos nesta subida, todos
construídos pelo avô de minha mulher.
A linha no Rio Grande do Sul estava muito mais bem conservada do
que as anteriores ao Norte. O trem rodava suavemente através do planalto varrido
pelo vento, com grandes criações de gado. Ao meio dia chegamos em Passo Fundo
onde a n° 806 foi desacoplada, retornando logo em seguida com o tender já
abastecido de óleo e nova equipagem. Este mesmo processo foi repetido às 19:30
hs em Cruz Alta, com a diferença que aqui o tender foi abastecido no depósito
de carvão. O carvão no Rio Grande do Sul tinha um alto teor calorífico, assim
também como alto teor de enxofre. Na manhã seguinte, em Santa Maria, onde
existe uma grande oficina, havia uma longa fila de locomotivas corroídas pela
ferrugem
Dentre essas locomotivas, havia uma Chapellon French 2-8-4
abandonada, com somente dois anos de fabricação. O enxofre no carvão comeu todo
o seu tender neste curto espaço de tempo. A n° 806 nos
trouxe ao longo de 515 km em 18 horas de viagem.
A meia noite o trem foi seccionado, sendo que dois
carros-dormitórios seguiram para Porto Alegre. Com o nosso carro estacionado na
estação, pudemos dormir muito bem. Assim, na manhã seguinte tomamos nosso café
da manhã na estação. Eu assisti a formação de um trem com 15 vagões fechados, vagões
para gado e para o transporte de leite, sendo o nosso carro-dormitório colocado
na cauda. Na frente, tínhamos duas locomotivas, sendo uma Alco 4-8-4 e a outra uma
Schwartzkoff 4-8-2. Elas nos puxaram
até Cacequi, onde chegamos às 11:45hs, com uma parada para o almoço de 45
minutos.
O almoço foi pobre, salvando-se apenas a cerveja gelada. Quando voltamos na estação nosso trem já havia
partido. No outro lado da plataforma, encontrava-se o trem para Santana do
Livramento. Grandes manobras eram ali efetuadas. Nisto apareceu outro trem,
este vindo de Bagé, mais ao Sul. A plataforma estava repleta de vacas, touros,
cavalos sendo desembarcados para uma exposição agrícola. Passamos por detrás
desse rebanho e, finalmente, encontramos nosso carro-dormitório.Com este fato
consumado, pude então apreciar o pátio da estação. Uma impressionante
locomotiva que vimos foi uma gigantesca 4-8-4, n° 1018. A construtora foi a Alco,
em Schenectady, USA., no ano de 1945. Esta era de um grupo de locomotivas que
tinha sido encomendada pelo Governo Federal para suas ferrovias.
Locomotiva 2-8-2 da VFRGS
Nossa locomotiva para a etapa final desta jornada era uma Borsig
de 1910, que havia sido completamente reconstruída. A aparência desta n° 453, exceto pela cúpula na
frente, bem germânica, era bem americana. Com esta 4-6-0 nos tracionando,
chegamos em Santana do Livramento com poucos minutos de atraso e completando
nossa viagem no Trem Internacional. Uruguai ficava a curta distância dali,
tendo só que atravessar poucos passos pelo centro da cidade.
Como um adendo a essa estória do Trem Internacional, estudos para
desviar esta rota foram feitos após a II Guerra Mundial, quando foi examinada a
necessidade de novas e melhores vias férreas. Era mais do que evidente que uma
nova linha evitando subidas e descidas
nas montanhas tinha de ser construída. Decidiu-se pela construção de uma via férrea completamente nova e não remendar
a linha antiga. As obras ficaram a cargo do Batalhão Ferroviário do Exército
Brasileiro. Esta nova linha começou em Mafra, no Paraná, dirigindo-se ao Sul,
passando por Lages, Vacaria, e Bento Gonçalves (5) no Rio
Grande do Sul. Ao invés de subir e descer todas as montanhas, eles a cortaram.
Os horários dos trens de 1971 nos mostram um único trem de passageiros o qual
faz 270 km em 10 horas de viagem, incluindo 29 paradas. A linha teve como
finalidade o transporte de carga. Não existe nenhum trem rápido para Porto
Alegre vindo do Norte, uma vez que os passageiros interestaduais viajam agora por
via aérea. Esta nova linha estratégica foi aberta ao tráfego em 1969.
F I M
OBSERVAÇÕES
(1)
– O
carro-Pullman era na realidade um carro-salão funcionando como sala de estar para os
passageiros dos carros-dormitórios.
(2)
- Embora esteja escrito que o carro bagagem
tenha sido fornecido pela E.F.Sorocabana, o que se vê na foto sobre um viaduto, é um carro típico da Viação Férrea Rio Grande do Sul.
(3)
- De fato a composição do Internacional tinha
três carros-dormitórios. Entretanto, nas fotos em anexo, vemos tão somente dois carros nesta viagem.
(4)
– Há um
pequeno engano aqui: O ponto mais alto entre Porto União da Vitória e Caçador é
a estação de Calmon, com 1 183 metros. Porto União está a 752 metros e Caçador
a 888 metros.
(5)
– Outro
engano: Bento Gonçalves não está no Tronco Sul, construído pelo Exército, mas
tornou-se um ramal, partindo de Jabuticaba, e que serviu somente como linha de
serviço e abastecimento do Batalhão Ferroviário.
Traduzido por Leonardo Hanriot
Bloomfield
Muito interessante este trabalho. meus cumprimentos.
ResponderExcluirdaniel
Mto tri a narrativa
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