segunda-feira, 11 de junho de 2012

A vida na ferrovia:


O trabalho na ferrovia tinha especificidades, morar na vila ferroviária era uma delas: na beira da Estrada de Ferro, as crianças brincavam, as mulheres nas janelas olhavam o trem vir e partir e os velhos se reuniam para conversar; nas estações os passageiros aguardavam o trem que significava a ligação de vários pequenos lugarejos com os centros maiores: cidades inteiras cresceram em torno do complexo ferroviário... Este é um mundo que hoje se perdeu, aqueles espaços salpicados de gente no passado se transformaram em estações abandonadas, lugares fantasmas, calmaria sem vestígios do antigo burburinho.

Foto: Janaína Calaça.


Se a ferrovia fazia parte da vida urbana, para o ferroviário ela era a própria vida. O aprendiz começava muito cedo a trabalhar, mas antes disso, os meninos que brincavam nos pátios das estações, filhos de ferroviários moradores das vilas operárias, conviviam com o trem desde cedo; muitos deles já sabiam o que queriam ser quando crescer, assim clãs se formavam e diferentes gerações seguiam a mesma profissão.

Ser maquinista era conseqüência de uma longa trajetória de trabalho na ferrovia. Diretamente ligados ao transporte de passageiros e mercadorias, o maquinista, o foguista e o guarda-freios eram os responsáveis por fazer o trem andar. Trabalhando nos carros e vagões, ficavam os bagageiros, camareiros e limpadores. Havia ainda no setor de locomoção dois cargos que, do ponto de vista da direção administrativa, aparecem como essenciais: os fiscais e os condutores dos trens nas estações.


Segundo relato realizado por: Gabriel Ruiz Pelegrina, a partir de entrevistas com dois antigos ferroviários da Companhia Paulista da Estrada de Ferro estes afirmavam que, em 1935, quando ainda se operava com máquinas a vapor, para iniciar-se na carreira de maquinista o candidato era submetido a um concurso para o cargo de limpador, uma espécie de faz-tudo na ferrovia. Se aprovado, o limpador, após assinar o ponto, deveria se dirigir ao feitor de limpadores. Este apresentava ao novo limpador o primeiro serviço da carreira de maquinista de locomotiva a vapor: dando-lhe um balde de óleo, um punhado de estopa, mandava-lhe descer na vala, para limpar a locomotiva em sua parte inferior; esta tarefa era bastante difícil, pois o limpador ficava sujeito aos respingos de óleo, de água quente e até mesmo de vapor, além de ser constantemente vigiado pelo feitor.

O limpador fazia de tudo: carregava e descarregava lenha dos vagões, abastecia as locomotivas de água, conservava-as limpas e também exercia a função de chamador.

Chamador era a pessoa que ia, a qualquer hora da noite e com qualquer tempo, à casa do maquinista escalado para viajar, despertá-lo e chamá-lo ao serviço, não importando se a distância onde morava fosse grande. Dos serviços atribuídos ao limpador o mais árduo de todos era o trabalho de trocar a grelha da locomotiva. Grelha, nas locomotivas, é a grade de ferro que funciona como aparador de brasas, para impedir que estas caiam sobre os dormentes de madeira da estrada e venham a queimá-los. O maquinista, pilotando uma locomotiva a fogo, era obrigado a notar se a grelha estava em ordem, pois era comum se avariar (empenar) devido ao intenso calor a que era submetida. Quando isso ocorria, a locomotiva era recolhida a um depósito para a troca da peça, serviço que devia ser feito com muita rapidez, pois era rara a existência de uma locomotiva reserva em condições de trafegar imediatamente. Uma locomotiva parada levava até duas horas ou mais para ficar com a pressão necessária para movimentar-se. Além disto, a direção da estrada não admitia o atraso dos trens, sequer por um minuto, ainda mais quando se tratava de trem de passageiros ou de gado. A operação de troca de grelhas era penosa devido ao peso das grelhas novas, quarenta a cinqüenta quilos, e ao calor intenso das fornalhas.

Foto: Guido Motta (via Marcelo Lordeiro). à esquerda o maquinista, Sr. Luiz em 1974 http://trilhosdooeste.blogspot.com.br


Para chegar à carreira de maquinista de locomotivas “Maria Fumaça” e pilotar uma locomotiva de trem de passageiros, o ferroviário precisava de anos de experiência; deveria para tanto transpor os seguintes postos: limpador, foguista de manobra, foguista de trem de carga, foguista de trem de passageiro, maquinista de manobra de trem de carga e, finalmente, maquinista de primeira classe de trem de passageiros.

O pessoal responsável pelo setor de locomoção e transportes, da linha, estações e trens, era o que se encontrava submetido a uma fiscalização e vigilância maiores, advindo daí o fato de ser o que recebia maiores punições. Os chefes de estação, guarda-freios, foguistas, maquinistas e outros eram diretamente responsáveis pela segurança e eficiência dos transportes. Sobre o maquinista pesava grande responsabilidade em relação ao atraso e acidentes que freqüentemente aconteciam.



Além da locomoção, havia ainda o setor de construção e manutenção dos dormentes dos trilhos, onde trabalhavam os engenheiros, os fiscais da manutenção da via permanente e o pessoal menos especializado, serventes, carpinteiros, etc; o setor de manutenção das locomotivas e dos vagões, que incluía as oficinas onde se concentrava grande número de trabalhadores, entre mecânicos, ferreiros, pintores, carpinteiros, torneiros, caldeireiros; e, finalmente, o setor administrativo, responsável pela contabilidade, pelos escritórios relacionados à fiscalização e administração dos recursos humanos, pelo funcionamento das estações e dos telégrafos.

Por: Claudia Monteiro

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