O
trabalho na ferrovia tinha especificidades, morar na vila ferroviária
era uma delas: na beira da Estrada de Ferro, as crianças brincavam,
as mulheres nas janelas olhavam o trem vir e partir e os velhos se
reuniam para conversar; nas estações os passageiros aguardavam o
trem que significava a ligação de vários pequenos lugarejos com os
centros maiores: cidades inteiras cresceram em torno do complexo
ferroviário... Este é um mundo que hoje se perdeu, aqueles espaços
salpicados de gente no passado se transformaram em estações
abandonadas, lugares fantasmas, calmaria sem vestígios do antigo
burburinho.
Foto: Janaína Calaça.
Se
a ferrovia fazia parte da vida urbana, para o ferroviário ela era a
própria vida. O aprendiz começava muito cedo a trabalhar, mas
antes disso, os meninos que brincavam nos pátios das estações,
filhos de ferroviários moradores das vilas operárias, conviviam com
o trem desde cedo; muitos deles já sabiam o que queriam ser quando
crescer, assim clãs se formavam e diferentes gerações seguiam a
mesma profissão.
Ser
maquinista era conseqüência de uma longa trajetória de trabalho na
ferrovia. Diretamente ligados ao transporte de passageiros e
mercadorias, o maquinista, o foguista e o guarda-freios eram os
responsáveis por fazer o trem andar. Trabalhando nos carros e
vagões, ficavam os bagageiros, camareiros e limpadores. Havia ainda
no setor de locomoção dois cargos que, do ponto de vista da direção
administrativa, aparecem como essenciais: os fiscais e os condutores
dos trens nas estações.
Segundo
relato realizado por: Gabriel Ruiz Pelegrina, a partir de entrevistas
com dois antigos ferroviários da Companhia Paulista da Estrada de
Ferro estes afirmavam que, em 1935, quando ainda se operava com
máquinas a vapor, para iniciar-se na carreira de maquinista o
candidato era submetido a um concurso para o cargo de limpador, uma
espécie de faz-tudo na ferrovia. Se aprovado, o limpador, após
assinar o ponto, deveria se dirigir ao feitor de limpadores. Este
apresentava ao novo limpador o primeiro serviço da carreira de
maquinista de locomotiva a vapor: dando-lhe um balde de óleo, um
punhado de estopa, mandava-lhe descer na vala, para limpar a
locomotiva em sua parte inferior; esta tarefa era bastante difícil,
pois o limpador ficava sujeito aos respingos de óleo, de água
quente e até mesmo de vapor, além de ser constantemente vigiado
pelo feitor.
O
limpador fazia de tudo: carregava e descarregava lenha dos vagões,
abastecia as locomotivas de água, conservava-as limpas e também
exercia a função de chamador.
Chamador
era a pessoa que ia, a qualquer hora da noite e com qualquer tempo, à
casa do maquinista escalado para viajar, despertá-lo e chamá-lo ao
serviço, não importando se a distância onde morava fosse grande.
Dos serviços atribuídos ao limpador o mais árduo de todos era o
trabalho de trocar a grelha da locomotiva. Grelha, nas locomotivas, é
a grade de ferro que funciona como aparador de brasas, para impedir
que estas caiam sobre os dormentes de madeira da estrada e venham a
queimá-los. O maquinista, pilotando uma locomotiva a fogo, era
obrigado a notar se a grelha estava em ordem, pois era comum se
avariar (empenar) devido ao intenso calor a que era submetida. Quando
isso ocorria, a locomotiva era recolhida a um depósito para a troca
da peça, serviço que devia ser feito com muita rapidez, pois era
rara a existência de uma locomotiva reserva em condições de
trafegar imediatamente. Uma locomotiva parada levava até duas horas
ou mais para ficar com a pressão necessária para movimentar-se.
Além disto, a direção da estrada não admitia o atraso dos trens,
sequer por um minuto, ainda mais quando se tratava de trem de
passageiros ou de gado. A operação de troca de grelhas era penosa
devido ao peso das grelhas novas, quarenta a cinqüenta quilos, e ao
calor intenso das fornalhas.
Foto: Guido Motta (via Marcelo Lordeiro). à esquerda o maquinista, Sr. Luiz em 1974 http://trilhosdooeste.blogspot.com.br
Para chegar à carreira de maquinista de
locomotivas “Maria Fumaça” e pilotar uma locomotiva de trem de
passageiros, o ferroviário precisava de anos de experiência;
deveria para tanto transpor os seguintes postos: limpador, foguista
de manobra, foguista de trem de carga, foguista de trem de
passageiro, maquinista de manobra de trem de carga e, finalmente,
maquinista de primeira classe de trem de passageiros.
O
pessoal responsável pelo setor de locomoção e transportes, da
linha, estações e trens, era o que se encontrava submetido a uma
fiscalização e vigilância maiores, advindo daí o fato de ser o
que recebia maiores punições. Os chefes de estação,
guarda-freios, foguistas, maquinistas e outros eram diretamente
responsáveis pela segurança e eficiência dos transportes. Sobre o
maquinista pesava grande responsabilidade em relação ao atraso e
acidentes que freqüentemente aconteciam.
Foto: http://www.network54.com
Além
da locomoção, havia ainda o setor de construção e manutenção
dos dormentes dos trilhos, onde trabalhavam os engenheiros, os
fiscais da manutenção da via permanente e o pessoal menos
especializado, serventes, carpinteiros, etc; o setor de manutenção das locomotivas e dos vagões, que incluía as oficinas onde se concentrava grande número de trabalhadores, entre mecânicos, ferreiros, pintores, carpinteiros, torneiros, caldeireiros; e, finalmente, o setor administrativo, responsável pela contabilidade, pelos escritórios relacionados à fiscalização e administração dos recursos humanos, pelo funcionamento das estações e dos telégrafos.
Por: Claudia Monteiro
ótimo texto parabéns a Claudia Monteiro
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