“Costumava roçar mato numa fazenda de Cosmorama, ali perto da linha, lá pelos anos 1950 e 1960. O trem era o nosso relógio. A estação ficava fora da cidade - ainda fica - eu me lembro que o local tinha uma estaçãozinha e duas casinhas de turma" (Gonçalo, motorista de táxi em São Paulo, nov/99).
Trem da EFA (1960)
“Na paisagem, só vacas malhadas em preto e branco...”, dizia à cartinha que eu enviava para a prima de Cosmorama, quando as férias chegavam ao fim e de volta em casa a saudade batia. Essa paisagem que restou na lembrança permeava pelas onze horas de viagem no trem da antiga EFA, a Estrada de Ferro Araraquara. Esperava ansiosamente as férias para poder andar nesse trem. Partíamos bem cedinho da Estação da Luz.
Os bancos giravam e podiam ficar um de frente para o outro e essa era a primeira providência que meu pai tomava então a família podia ficar em convescote durante a viagem toda. Eram bancos enormes que davam até para deitar e dormir. Mas ficar sentada só mesmo quando a canseira batia ou não fazia alguma amizade no banco ao lado. A ordem era perambular por todos os vagões e curtir o lugar mais emocionante de se ficar: a junção entre dois vagões. Ligados por uma “sanfona” flexível fazia o balanço ficar mais intenso, desafiante. Dalí, se podia sentir o vento no rosto e ouvir o paque-páque-pá ritmado nos trilhos, sentir na pele a onda verde do mato ao longo e ao longe, assustar-se na escuridão dentro do túnel. Quesitos fundamentais.
As vacas e cavalos e os grandes montes de cupim, feito lego, ou quebra-cabeças, eram brinquedos sempre iguais, e sempre diferentes. Incansável olhar o tabuleiro de capim e árvores e açudes. Na hora do almoço, o restaurante! Mágico sentar ali e almoçar olhando pela janela. A comida tinha sabor especial. Fome de novidades. O tempo não para. O tempo parou! As estações ferroviárias, arquiteturas que parecem cenário de filme, me faziam pensar que pessoas não cabiam ali, sempre com seus tijolinhos e telhas luzindo vermelhas, e as plaquinhas com o nome do lugar, lembravam casinhas de bonecas. Crianças gritando e acenando das casas à beira dos trilhos riam e tudo era alegre. Ficava feliz. O trem apitava nalguma curva e o carrinho de refrigerantes e gibis, passava na hora do lanche com aquele seu vendedor uniformizado tão imponente.
Enfim, chegando à estação da cidade de Cosmorama, onde meus avós viveram e criaram seus dez filhos, a charrete já estava a postos para nos levar até a cidade, percorrendo ainda três quilômetros de terras e cheiros indescritíveis. Essa história é perfeita para eu contar aos meus netos [que venham!] e compete perfeitamente com qualquer conto de fadas. (Ada 19/6/2012)
Em 1986, a estação já estava abandonada. A estação, ainda longe do centro, fica do outro lado da rodovia Euclides da Cunha. Está em 2009 habitada por uma família que a conserva.
CURIOSIDADES:
HISTORICO DA LINHA: A Estrada de Ferro de Araraquara (EFA) foi fundada em 1896, tendo sido o primeiro trecho aberto ao tráfego em 1898. Em 1912, já com problemas financeiros, a linha-tronco chegou a São José do Rio Preto. Somente em 1933, depois de ter sido estatizada em 1919, a linha foi prolongada até Mirassol, e em 1941 começou a avançar mais rapidamente, chegando a Presidente Vargas em 1952, seu ponto final à beira do rio Paraná. Em 1955, completou-se a ampliação da bitola do tronco para 1,60m, totalmente pronta no início dos anos 60. Em 1971 a empresa foi englobada pela Fepasa. Trens de passageiros, nos últimos anos somente até São José do Rio Preto, circularam até março de 2001, quando foram suprimidos. A estação de Cosmorama", segundo a Folha da Manhã, 24/9/1941 seria aberta em 1943 e há quase três quilômetros a sudoeste da sede do então distrito. Durante a guerra, em 1943, a EFA continuava a avançar sua linha, então ainda métrica: "Tiveram prosseguimento os serviços de prolongamento até Porto Presidente Vargas. A ponta dos trilhos, a 31 de dezembro (de 1943), alcançava Mirassol.
Por: (Ada 19/6/2012)
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(Fontes: Antonio Ravagnani; Rodrigo Cabredo; Gonçalo -; Hermes Y. Hinuy; Rafael Correa; IOESP: A Vida Administrativa de São Paulo em 1943, Fernando Costa, 1944; Fepasa: Relatório de Instalações Fixas, 1986; Guia Geral das Estradas de Ferro do Brasil, 1960.
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