...Curityba me deu saudade
de você e de seu sotaque
e hoje à mercê desse sentimento ingrato
pegarei um ônibus lotado
e vou pra almirante tamandaré.
Fragmentos do Poema de William Teca
A
princesa Isabel e seus filhos despediram-se de Curitiba no dia 13 de dezembro
de 1884, após passarem quatorze dias entre a capital e o interior do Paraná.
Pegaram o trem para Paranaguá a poucos quilômetros da estação em frente à rua
da Liberdade – atual Barão do Rio Branco – pois os trilhos ainda não haviam
sido assentados até o fim. Conde d'Eu seguia viagem pelo interior até Santa
Catarina, onde iria se encontrar com a esposa dias depois.
Cartão
postal com a estação de Curitiba da estrada de ferro do Paraná, por volta de
1900. (Fonte: chimbica91.wordpress.com)
Na
carta diário que a Redentora – como era conhecida por defender a causa
abolicionista – enviou a seus pais, Dom Pedro II e Dª Tereza Cristina, foram
poucas as palavras sobre a partida. “Volta a Paranaguá. Dia, outra vez,
esplêndido para a descida da serra. Fizemos parar, por vezes, o trem, para
apanharmos flores novas para nossa coleção” - estas observações sobre a flora,
que aparecem em diversos momentos na sua carta, devem-se ao seu grande interesse
por botânica.
Nos
bastidores, uma corrida para que a estrada estivesse pronta para os festejos da
Emancipação Política do Paraná, que completaria 31 anos. No entanto, tão perto
de chegar ao seu final, após cinco anos em obras, parecia patinar em acertos
burocráticos na capital. Isto ao menos é o que conta o correspondente do Diário
de Notícias do Rio de Janeiro.
A
rua da Liberdade vista da estação da estrada de ferro, seis anos após a visita
da princesa. À esquerda hoje fica a Praça Eufrásio Correia e o Palácio Rio
Branco. (Foto: Acervo Casa da Memória)
“Em
Curitiba tem havido o diabo com o assentamento dos trilhos da estrada de ferro
do Paraná. O Sr. commendador Martins Franco, em cujas terras passa a estrada,
embargou as obras, e pede 16:000$ de indemnisação. Segundo nos consta, o Sr.
Dr. Teixeira Soares, engenheiro-chefe da estrada, vai depositar a quantia
pedida e acceitar a acção judiciaria, afim de poderem proseguir os trabalhos de
assentamento dos trilhos, que estão distantes da estação central, em Curityba,
apenas 4 kilometros e 600 metros. Mais dois dias de trabalho e a machina
soltará o seu silvo do progresso na esperançosa cidade de Curityba.” Escreveu
isto no dia 8 daquele mês, com a publicação no Rio de Janeiro somente dias
depois, na edição 361 (26 de dezembro), pois as reportagens chegavam pelo
correio. Mas foi no dia 13 de dezembro que o correspondente soltou toda a sua
indignação em texto, ao relatar a partida da princesa, pois as obras ainda não
haviam terminado como ele esperava. “Por causa da camara municipal da capital
da provincia, tiveram SS. AA. Imperiaes, a Sra. Princeza e seus filhos, sua
comitiva, de percorrer em carro, cerca de 2 kilometros para alcançar a ponta
dos trilhos da estrada de ferro do Paraná, que devido á patriotica camara não
chegou ainda ao seu termino.”
36
anos após a visita da Redentora, as redondezas da Estação mostram-se
urbanizadas. Em primeiro plano, a praça Eufrásio Correia. (Foto: Acervo Casa da
Memória)
Contou
ele de um novo embargo à obra, administrada pela companhia Génerale de Chemins
de Fèr Brésiliens. “Agora é a camara municipal de Corityba da capital da
provincia, quem embarga as obras, por passarem os trilhos pelas terras
municipaes, exigindo para levantar o embargo a grande quantia de 1:500$000.”
Mais adiante, no mesmo texto, prosseguiu: “Quando se encetaram os trabalhos
d'esta estrada, a camara municipal de Paranaguá, deu um notavel baile aos
engenheiros, e fez votos para que a estrada continuasse. Vencidos os primeiros
40 kilometros chegou a machina á cidade de Morretes e a respectiva
municipalidade, considerou esse acontecimento como um dia de festa, e houve
grande pagodeira”.
Segundo
ele, faltavam apenas 3,2 quilômetros para a conclusão da ferrovia quando houve
o embargo. “Vejam os leitores se isto é coherencia. Perto da cidade, havia um
grande pantano, a camara municipal de Corytiba dirige-se ao engenheiro chefe
dos trabalhos da estrada e pede-lhe para fazer alli a estação. O engenheiro,
accede ao pedido, faz a estação, com a qual gastou 114:000$, dessecca o
pantano, e dá com isso á cidade outras condições de salubridade; A camara municipal apanhou-se servida e no
momento em que a assembléa provincial, sem duvida mais empenhada pelo
engrandecimento da provincia, pede o prolongamento da estrada, vem a camara
municipal e embarga-lhe as obras. Não farei mais commentarios e apenas direi
que o que a camara municipal e a assembléa deviam pedir, não é vias de
communicações faceis, baratas e rapidas como os outros paizes, - é cathechese,
porque ainda estão muito selvagens estes povos.”
Da
esquerda para a direita, Conde d'Eu (Gaston), Pedro, Antonio, Isabel e Luís, em
1885. (Foto: Alberto Henschel - De Volta a Luz: Fotografias Nunca Vistas do
Imperador. Instituto Cultural Banco Santos, 2003)
Ele
continuou fazendo duras críticas à Câmara e também à cidade: “Ao passo que a
camara de Corityba, de gloriosa memoria, oppõe-se abertamente ao progresso da
provincia, esquece-se dos seus deveres, deixa que a cidade continúe immunda,
sem calçamento, e as ruas cheias de atoleiros e de pó. Quando chove não se póde
sahir de casa, quando não chove o pó é tanto que suffoca os transeuntes. Só
quem vem ao Paraná é que póde avaliar a miseria em que se acha a provincia,
cuja capital é inferior ao bairro do Engenho Novo ou de Todos os Santos ahi no
Rio de Janeiro. O Paraná nada tem, e o que possui é mau e pessimo; começando
pelas ruas, passa-se á cadeia que é um attentado ao progresso, á civilisação e
á higyene, e faz-se ponto na camara municipal de que fallo, que está de cutello
erguido contra tudo que seja elemento de grandeza para estra provincia que é
patrimonio de duas famílias, que põem e dispõem a seu bel prazer. Digo estas
verdades porque estamos em tempo, atravessamos um periodo em que é preciso
pintar a cousa tal qual é, sem medo, nem rebuço.”
Não
foi de se admirar o pedido de embargo realizado pela Câmara. Era ela o poder
administrador da cidade – a figura do prefeito tornou-se efetiva somente após a
Proclamação da República – e pelos motivos que o próprio repórter elencou, era
preciso dinheiro para investimentos. O valor exigido para levantar o embargo,
portanto, fazia-se evidentemente necessário. Para uma obra que durou cinco
anos, tendo enfrentado desafios como as construções do Viaduto do Carvalho e a
Ponte São João, mal algum faria ser prolongada por mais alguns dias. O fato é
que, no dia 19 de dezembro, data da Emancipação Política do Paraná, foi
definitivamente concluída – a estação ainda tinha com alguns detalhes por
terminar. A inauguração ocorreria no dia 2 de fevereiro do ano seguinte.
A
princesa Isabel veio a Curitiba em 1884 para a primeira viagem oficial da
estrada de ferro Curitiba-Paranaguá. Não foram encontrados registros
fotográficos da família imperial na capital paranaense, portanto, tentamos
reproduzir a cena. (Foto das crianças e conde d'Eu: Alberto Henschel; Foto da
Princesa Isabel: Joaquim Insley Pacheco; Montagem: Marcio Silva/CMC e Andressa
Katriny/CMC)
O
Dezenove de Dezembro, periódico que circulava no Paraná, nada relatou a respeito
do embargo, mas ao noticiar a partida da família imperial, cumprimentou os
“distinctos collegas da imprensa da côrte da Gazeta de Noticias [do Rio de
Janeiro] e do Paiz, os Srs. Maximino Serzedello e José Vinhaes”. “A' tão
distinctos cavalleiros, que em tão pouco tempo tanta sympathia grangearam do
povo desta capital, apresentamos nossos cumprimentos, desejando prospera viagem
correspondendo á delicada cortesia com que vieram despedir-se do proprietário
de nossa folha”. Na redação, obviamente, ainda não haviam lido o jornal
carioca, que seria publicado somente no dia 1º de janeiro de 1885, devido à
demora dos correios da época.
Notas:1)
As citações de atas e notícias, entre aspas, são reproduções fieis dos
documentos pesquisados. Por isso, a grafia original não foi modificada.
2)
Ao utilizar ou se basear em textos históricos do nosso site, por gentileza,
cite a fonte.
Referências
bibliográficas:Edição 361 - Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro – 26 de
dezembro de 1884
Edição
001 - Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro – 1 de janeiro de 1885
A
estrada de ferro Paranaguá-Curitiba. Uma obra de arte.
Edição 291 - O Dezenove de Dezembro – 14 de dezembro
de 1884Boletim Especial do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
Paranaense. Comemorativo ao Sesquicentenário da Independência do Brasil
1822-1972. (Volume XV, ano 1972).
Por
Michelle Stival da Rocha – Jornalista da Diretoria de Comunicação da Câmara
Municipal de Curitiba.